Fundado por humildes trabalhadores em 9 de maio de 1933, no Setor de Locomoção da Rede de Viação Cearense (RVC), o Ferroviário Atlético Clube é a maior expressão esportiva de raízes operárias do Brasil, símbolo da democratização do futebol nacional e precursor do futebol profissional do Ceará.
São muitas alegrias, conquistas e percalços, naturais a toda gloriosa história. Inúmeros confrontos inesquecíveis contra outros grandes times nacionais e até contra a Seleção Brasileira, em amistoso preparatório para os Jogos Olímpicos de 1968. Por falar em Seleção, pertenceu ao Ferroviário o primeiro cearense a vestir a camisa amarelinha: Zé de Melo, em 1959. Depois dele, vieram mais, como Mirandinha e Jardel, ambos formados nas vitoriosas categorias de base do clube. A mesma fábrica que produziu, dentre tantos Ouros da Casa, o craque Iarley, bicampeão mundial interclubes.
A galeria coral já contabiliza mais de 100 conquistas oficiais, entre campeonatos, copas, torneios e taças. São 9 títulos do Campeonato Cearense, incluindo um invicto em 1968 e o bi de 94/95, e 22 vices. No Nordeste, foi também vice em 1971. Foi um dos primeiros clubes de futebol do estado do Ceará a disputar uma competição internacional fora do território brasileiro, em 2007, fazendo a final da Polar Cup, no Caribe, contra o FC Utrecht, da Holanda. Com 28 participações no Campeonato Brasileiro, o Ferroviário já esteve por 6 anos seguidos disputando a Série A. Campeão Brasileiro da Série D em 2018, tornou-se o primeiro clube da capital cearense a conquistar uma competição de nível nacional.
1938
1º REGISTRO FOTOGRÁFICO DO FERROVIÁRIO
Em pé: José Severiano Almeida (diretor), Oscar Carioca, Procópio, Adelzirio, Dudu, Bitonho, Zeca Pinto (atacantes), Valdemar Caracas (técnico) e Alberto Gaspar de Oliveira (diretor); Agachados: Baiano, Zimba, Boinha (médios), Zé Felix e Popó (zagueiros); Sentados: Gumercindo e Puxa-faca (goleiros).
COMO TUDO COMEÇOU?
No início da década de 1930, a RVC, antecessora da Rede Ferroviária Federal S/A (RFFSA), instalou oficinas de manutenção de locomotivas, carros e vagões na então distante região do Urubu, precisamente onde hoje é a sede da Transnordestina, sucessora da Companhia Ferroviária do Nordeste (CFN), na Avenida Francisco Sá – tal logradouro corresponde à antiga Estrada do Urubu, importante via de comunicação com a Barra do Ceará, onde havia um hidroporto. À época, Fortaleza restringia-se praticamente ao seu centro histórico. Naquela área, ao longo dos anos, concentrou-se toda uma população humilde, na maioria fugida da seca, fomes e latifúndios do sertão. Não foi coincidência que, no intuito de servir-se da mão-de-obra barata, representada por essa população carente, instalaram-se na zona oeste da capital várias indústrias.
Com uma grande quantidade de tarefas e serviços para executar, o corpo diretivo da RVC determinou a realização de horas extras noturnas, das 18h às 20h, nas citadas oficinas do Urubu, visando assim recuperar mais locomotivas, carros e vagões. Encerrando-se o expediente normal às 16h25min, decidiram os operários mais jovens, sobretudo aqueles que moravam longe, aproveitarem o “intervalo forçado” para divertirem-se, passarem o tempo e jogarem o foot-ball, como chamavam. Cotizaram o dinheiro para a compra de uma bola e, armados de pás e enxadas, limparam um terreno vazio dentro das oficinas, tirando matos, arrancando tocos e nivelando-o. Para completar a construção do campo, confeccionaram traves a partir de tubos retirados de caldeiras de velhas locomotivas.
Daí em diante, no finalzinho da tarde, tornou-se sagrado o “racha” entre os operários nas oficinas do Urubu. Para maior deleite, improvisaram até dois times, Matapasto e Jurubeba, nomes de ervas, uma homenagem irônica dos proletários aos matos que havia no terreno e que deram tanto trabalho na preparação do campo. Com o sucesso das “peladas” veio a feliz ideia de organizar “algo maior”. Em reunião na casa do mecânico José Roque (o “Gordo”) os boleiros da RVC decidiram unir Matapasto e Jurubeba para formar um time de fato, capaz de jogar pela periferia nos finais de semana e até participar de campeonatos suburbanos. Dentro do óbvio, a equipe recebeu o nome de Ferroviário – apenas Ferroviário, por pouco não sendo chamado também de “Ferrocarril”, a exemplo de outros clubes sul-americanos oriundos de companhias férreas. Escolheu-se ainda um uniforme com listas verticais nas cores vermelha, preta e branca.
As “movimentações esportivas operárias” não passaram despercebidas a Valdemar Cabral Caracas, então influente chefe do escritório de manutenção da RVC e igualmente apaixonado por futebol. Nascido na cidade de Pacoti, interior serrano do Ceará, em 9 de novembro de 1907, deu vida oficial à ideia e destacou-se, portanto, como o principal fundador do, hoje, Ferroviário Atlético Clube. Foi também o primeiro comentarista de futebol do estado, trabalhando na Ceará Rádio Clube, pioneira da radiofusão cearense, e também se envolveu com a política, sendo eleito vereador de Fortaleza em 1937, pelo extinto Partido Socialista. Posteriormente, no ano de 1947, ajudou a fundar o Partido Socialista Brasileiro (PSB) no Ceará. Valdemar Caracas faleceu no dia 14 de janeiro de 2013, aos 105 anos de idade.
2007
CENTENÁRIO CARACAS
Ao completar 100 anos de idade, Valdemar Caracas foi homenageado com um busto de bronze, eternizado no salão principal dos alojamentos da sede coral.
Mostrando mais uma vez sua influência, Caracol, como era carinhosamente chamado, indicou ainda o primeiro presidente, José Maciel, auxiliar de engenheiro da RVC. Nascia assim, naquele 9 de maio de 1933, entre humildes empregados da RVC, o Ferroviário, para ser um dos orgulhos do futebol e povo cearense. No ano seguinte o time já estava participando dos torneios da Liga Suburbana – seria inclusive campeão desta em 1937 -, e, com os êxitos obtidos, recebeu em 1938 convite da Associação Desportiva Cearense (ADC) para ingressar na primeira divisão do campeonato local.
O Ferrão, ou Ferrim, como também ficou conhecido, cresceu rapidamente e logo tornou-se um dos principais times do futebol cearense. Sua história repleta de glórias, que ganha, a cada ano, novos e belíssimos capítulos, faz com que seu nome esteja sempre presente em qualquer abordagem sobre os grandes clubes brasileiros. De acordo com Ernani Buchmann, ex-presidente do Paraná Clube e autor do livro “Quando o Futebol Andava de Trem”, o Ferroviário Atlético Clube não só é um dos maiores vencedores entre mais de uma centena de times de origem ferroviária no país, como é o que demonstra hoje a maior vitalidade, seguindo forte diante de tantas dificuldades que assolam o futebol brasileiro.
FUNDAÇÃO DO FERROVIÁRIO AC
POR CARACAS, EM MAIO DE 1994
Vou falar sobre o Ferroviário, precisamente do Ferroviário Atlético Clube. Nascido em 1933, fruto da junção das equipes “Matapasto” e “Jurubeba”, recebeu, na pia batismal, o nome de Ferroviário Football Clube, mas, na confirmação da crisma, fiz substituir o Football por Atlético.
Antes que me perguntem, vou dar, para vocês, esta explicação primordial. Iniciava-se o ano de 1933, quando a direção da Rede de Viação Cearense autorizou a execução de serviços extraordinários nas oficinas do Urubu, para a reparação de locomotivas, carros e vagões, durante um expediente noturno, que começava às 18 e terminava às 20 horas. Como o expediente normal expirava às 16h25min, os operários mais jovens que residiam longe dali (Barro Vermelho, Soure, Otávio Bonfim, Quilômetro 8, Parangaba e Mondubim) resolveram aproveitar a hora de folga para a prática de futebol; na preparação do campo, a relva retirada do espaço a ele destinado, era constituída de mata-pasto e jurubeba.
A verve operária, que era fértil, escolheu, então, estas plantas medicinais para denominação das duas onzenas que se defrontavam todas as tardes, no campo improvisado. As traves das metas eram roliças, confeccionadas que foram com tubos inservíveis, retirados de caldeiras das “Marias-fumaça”. Com aquele “timezinho” cognominado apenas de Ferroviário, eles, os operários-atletas, ou melhor, pebolistas, foram aos subúrbios onde realizaram partidas amistosas, com real proveito para a harmonia do conjunto, tudo sem qualquer interferência da minha parte.
Foi, então, que deliberei fazer dele gente, como se diz na gíria. Reuní operários, meus companheiros, promovi sessão com livro para a lavratura de atas, fiz um retrospecto da agremiação que surgia, completei o nome desta e disse-lhes da importância daquela reunião, como fator auspicioso para projeção da classe ferroviária. Era pretensão minha que tal ocorresse a 9 de novembro, quando eu completaria 26 anos, mas o entusiasmo exigiu a antecipação e não perdi tempo, marcando o dia para 9 de maio, exatamente 6 meses antes de 9 de novembro. Parti, então para a nova missão, aproveitando as horas disponíveis da minha atividade funcional.
Fui tudo no Ferroviário, menos presidente, porque nunca quis sê-lo. Fui pai, mãe, babá e, sobretudo, seu educador, disciplinando-o, pois a equipe suburbana era useira e vezeira em tomar o apito do árbitro, quando a decisão deste não lhe fosse agradável. Acabei com essa prática danosa ao seu comportamento, o time se fez clube, cresceu e está aí, vencendo os tropeços e dando alegrias a todos nós, seus torcedores.
Valdemar Caracas